Como recuperar a razão?




Para quem esteve em um estado limítrofe ou se encontra em crise de Transtorno Borderline, será fácil entender o que eu quero dizer com "recuperar" a razão. Pois quando vivemos nesse estado especificamente, sabe-se que a parcela sentimental e emocional de nossa mente ocupa praticamente 100% da vida. Gostaria de dizer que nenhuma pessoa em sã consciência, por mais que queira ser sensível, desejaria viver em um estado desses; é simplesmente impossível "ter uma vida" consumida em turbilhões emocionais. Ênfase para a palavra "consumida" pois se você se sente assim sua vida está sendo consumida e não vivida, não é possível colocar em prática qualquer projeto de futuro, aliás é impossível aproveitar plenamente um dia que seja, assim.
Muitos estudiosos estão dizendo que o estado "Borderline" provavelmente é o estado de alma de poetas e artistas, mas tais pessoas (se mentalmente saudáveis) geralmente entram no estado "limítrofe da alma" e voltam ao normal: para suas vidas. Obviamente que conhecemos casos de artistas famosos que não conseguiram um controle de sua Personalidade Borderline, alguns tiveram destinos muito trágicos!
Tenho certeza que você não deseja ter um destino trágico e se está lendo um post sobre recuperação da razão, também estou certa de que está lutando com todas as suas forças para se controlar, para "entrar no prumo" - como coloca Helena Polak.
OK! Vamos começar "do começo", você não consegue ser racional, está dominada(o) pelas suas emoções e a sensação de vazio só melhora quando as explosões de emoções "boas" (essas "vibrações") chegam à sua mente e enquanto estão dentro de você. É preciso ser uma pessoa super intelectual, um tipo de "nerd" da física, matemática ou filosofia para usar a razão? NÃO!!! Ela será necessária como instrumento de autocontrole, portanto, o que quero dizer com recuperar a razão passa pelo controle dos pensamentos, sentimentos e emoções. Eu tenho certeza que essas três bases controlam a pessoa com Borderline e não são controladas por ela. Assim, deve haver alguma forma de controlar a sua "alma", traduzindo: os pensamentos, sentimentos e emoções.

CONTROLE DO PENSAMENTO:

Uma boa forma de controlar o próprio pensamento é aplicar uma certa "força" da sua própria vontade sobre ele. Por exemplo, suponhamos que você esteja super ansiosa(o) com um novo relacionamento, as perguntas começam a se acumular na cabeça sobre como será (idealização sobre a pessoa, medo de ser abandonada- talvez comece até a imaginar o dia da traição e do abandono). Se você deixar a onda "CRESCER", perderá o controle e ficará por horas sofrendo, até mesmo dias! Acostume-se a bloquear tais pensamentos quando eles estiverem no início, pois ficamos cegas a partir do momento que eles dominarem. E depois que eles dominam, as automutilações, as crises, as coisas das quais nos arrependemos depois, o sentimento posterior de vazio que rasga por dentro virá. Em outras palavras: SHIT WILL HAPPEN!!!
Primeiro exercite a identificação do início desse processo, quando a onda de pensamentos começar a se formar, tente enxergar: olhe para dentro de si mesma. Não com os olhos do seu Transtorno Borderline, a razão aqui é que alguma parte aí dentro de você está saudável e será usada para parar esses pensamentos quando começarem a ocorrer.
Um dica: geralmente eles começam com um evento do comum de seu dia, um pequeno probleminha no trabalho, no namoro, na família, uma palavrinha de alguma pessoa próxima, até mesmo um olhar.
Identifique esse evento e treine como fazer para não se deixar vencer pelo Transtorno que quer se manifestar, essa autossabotagem para você ficar no fundo do poço e perder um precioso tempo de vida sofrendo!  Quando identificar a causa daquela faísca capaz de provocar um curto-circuito - enquanto ela ainda é uma faísca, a recuperação está caminhando!
Depois de ter identificado, comece a exercitar o pensamento vindo da sua vontade e não do turbilhão efervescente de suas emoções. Você verá que uma pessoinha: "você" ainda está lá dentro, um pouco perdida em meio a um transtorno monstruoso, talvez por anos quieta, subjugada e silenciosa. Essa que você encontrou, que pensa com clareza, que identificou o momento do gatilho é você, não o Transtorno Borderline! Você não é e nunca será o Transtorno Borderline, você é uma guerreira que está lutando contra um grande inimigo e precisará usar suas armas para isso. E sua arma será tomar posse da sua própria mente em primeiro lugar, do seu processo de pensamentos. PENSAR COM CONSCIÊNCIA, DOMINANDO O SUBCONSCIENTE com sabedoria. Enfrentando a realidade de que algum fato, no seu dia a dia te causou uma dor, um incômodo e que terá que lidar com isso de forma saudável.
Você poderá fazer várias coisas para que esse pensamento não cresça, encontre um caminho pois nem sempre a mesma receita serve para todas as pessoas.
Sugestões:
Começar a se perguntar: Como poderei lidar com essa situação da melhor maneira possível? Terei que me afastar da pessoa com quem estou? Terei que conversar com ela para que ela entenda que não gosto disso e daquilo? Terei que sacrificar um pouco do meu tempo, da minha vontade para conseguir um objetivo? Como posso tratar essa situação de forma que ela não seja mais motivo para uma crise? Terei que sair do emprego em que estou? Tenho que mudar a minha forma de tratar as pessoas? Faça perguntas com as quais você poderá investigar a sua situação, para obter a resposta. Não se obrigue a obter essa resposta no mesmo momento em que a pergunta surgir.
Distraia-se com coisas que possam acrescentar (não estou falando para você ir a uma boate beber todas, ficar com pessoas desconhecidas pois isso para mim é alienação, estou sugerindo a distração para que a energia da sua mente fique mais leve), como por exemplo um filme que te faça pensar sobre a vida, uma conversa com uma amiga, conversas pela internet com pessoas que te apoiem e deem ideias novas para se recuperar, uma bela música, um livro, uma conversa com (o) terapeuta, ir ao cabeleireiro, exercícios, etc.; existem muitas alternativas e penso que uma (um) Borderline pode sim usar esses meios para se libertar de uma potencial crise. Use também esse bom senso e razão para identificar as coisas destrutivas que você desejará fazer para se enfiar na crise. Então temos que ser espertas, isso leva um bom tempo pois a própria dinâmica do Transtorno te faz ter atração pelas atividades autodestrutivas e a alienação. Eleve a sua alma não jogue ela "na lama", aprendi que não preciso chafurdar nela para encontrar as respostas!

Me basearei no que Jung escreveu sobre a DEPRESSÃO e sobre a SOMBRA para poder explicar um ponto de vista aqui. Lembrando que o controle das emoções apenas será possível se você tiver consciência sobre o que aquela emoção representa, como ela surge dentro do inconsciente, a forma pela qual se desenvolve e cresce como uma espécie de energia na psique humana finalmente gerando comportamentos.

SOMBRA:


Jung define a sombra como "a coisa que uma pessoa não tem desejo de ser", seria um lado monstruoso dentro de nós. Também diz que: "Todo mundo carrega uma sombra e quanto menos ela está incorporada na vida consciente do indivíduo mais negra e densa ela é ... se é reprimida e isolada da consciência, jamais é corrigida e pode irromper subitamente em um momento de inconsciência".
Por isso, se estamos em tratamento, tomando consciência de nossos desejos, medos e fraquezas mais destrutivas, isso significará que se tem o controle. Se uma pessoa se perde de si mesma poderá ter um momento de inconsciência, que vem subitamente e nos leva às câmaras mais densamente negras da loucura. No caso do TPB, acredito que isso significa "autodestrutividade" (pelo menos para mim, tenho consciência de que meus pensamentos se tornam totalmente mórbidos)! Para poder me equilibrar, além de escrever, passei a ter momentos em que, sozinha, reflito sobre meus comportamentos, pensamentos e emoções. Seria como se eu olhasse em um espelho que está dentro de mim, tento fazer meu pensamento ser audível para mim mesma, como se parasse para me observar por alguns momentos com um "radar" reflexivo sobre aquilo que está por dentro, coisas que ninguém vê mas que eu posso enxergar. A partir desse momento tento tomar algumas decisões racionais sobre o que devo fazer para melhorar algum comportamento que me incomode, sobre as razões para aquilo que estou sentindo e como (a palavra mágica aqui é essa: "como") melhorar a minha alma. Dizem que o Borderline pensa muito em morte, em coisas trágicas e negativas, etc., mas é possível usar essa "sombra", a sua escuridão, para trazer mais luz à vida. Tornando isso consciente e, para mim, perguntado-me como farei para lidar com aquela emoção, com aquela memória dolorosa, com aqueles sentimentos que podem estar me cortando por dentro ou com uma realidade demasiadamente aflitiva.

DEPRESSÃO:

Na perspectiva de Jung, a depressão está ligada com a prisão da energia vital psíquica, que usamos para resolver nossos problemas, em consequência de um distúrbio neurótico ou psicótico. Segundo este, é um momento que deve ser vivenciado em sua plenitude para que possamos resolver as questões que nos levam ao quadro depressivo. Pois um sentimento vago de cansaço, tristeza, pensamentos negativos e até neurastenia precisaria ser levado ao consciente para que se possa lidar com a dor de maneira mais saudável e, finalmente, libertar-se! A conscientização - estou usando essa palavra dentro deste contexto, levar à consciência aquilo que não se tem a consciência plena, mas se manifesta como transtorno psíquico; poderia ser alcançada através da terapia.
Acredito nisso, embora por muitas vezes tenha pensado que meus problemas pessoais eram tão grandes para minha consciência aceitar que parecia me fazer sofrer ainda mais depois que saía de uma sessão de terapia na qual havia falado sobre tudo aquilo que não se diz e nem mesmo se pensa, mas se sente profundamente! E isso parecia me quebrar em pedaços, me rasgar ao meio e me destroçar emocionalmente, aquelas verdades eram insuportáveis demais para que eu pudesse simplesmente aceitar e fazer algo para resolver! Eu deixava a terapia pensando que jamais iria conseguir colocar em prática o que a minha terapeuta havia falado para mim, pensava que aquelas verdades duras a respeito da minha própria vida eram mais duras ainda quando as tornava conscientes, talvez preferisse não enxergar tudo aquilo, mas por fim me fez um bem enorme. Lidar conscientemente com verdades difíceis a respeito, não apenas de mim mesma, mas de coisas que havia na minha família e nas minhas relações com os outros; e depois de tudo isso entender que eu deveria colocar as cartas na mesa para poder jogar ou eu iria perder o jogo. Perder-se de mim mesma significava ser tomada pelos meus piores defeitos, para a medicina esses "piores defeitos" tinham um nome: Transtorno de Personalidade Borderline.

Desde quando fui diagnosticada, o caminho tem sido duro; mas também foi uma experiência intensa e tenho uma certa convicção de que se não houvesse sofrido - lutado, tido encontros dilacerantes com a minha  realidade nada semelhante ao que eu tinha como minha realidade na época, ter perdido o chão muitas vezes para começar do zero (sei que muitos Borders ao lerem isso saberão o que quero dizer com começar tudo do zero várias vezes emocionalmente), ter aberto minha alma para terapeutas que me ajudaram em coisas impagáveis (e o preço da terapia não é nada comparado ao benefício que você recebe a longo prazo), enfim tudo isso, foi intenso, mágico e me fez mais satisfeita e mais feliz; se nada disso tivesse acontecido poderia estar perdida de mim mesma, como muitas pessoas estão e não enxergam. A vida pode não ser perfeita, mas essa aventura ganha cores vivas quando se tem uma sensibilidade natural, se toma consciência disso e posteriormente em vez de usar isso para o próprio detrimento, aprender a usar para benefício próprio ou de outros. Ainda estou aprendendo a voar ... estou no caminho.
Encare a sombra.
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